Nº56 - ABRIL DE 2019

PONTO DE VISTA

Participação das mulheres na ciência, um desafio à igualdade

Por Nelia Del Bianco*

 

“As mulheres são maioria na universidade, na pós-graduação, já estão aumentando nas engenharias. Mas isso não é suficiente; o Brasil precisa de muito mais pessoas fazendo ciência, incluindo mulheres”. A afirmação é da presidente de honra da SBPC, Helena Nader durante seminário SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência, realizado em fevereiro.

Os dados mostram a predominância das mulheres na vida acadêmica.  De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016, última edição do levantamento, as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação.

Entre os professores contratados, no entanto, o cenário muda, os homens são maioria. Dos 384.094 docentes da educação superior em exercício, 45,5% são mulheres.

Elas são também maioria entre bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), representam 60% do total de beneficiários na pós-graduação e nos programas de formação de professores.

O Brasil é o país ibero-americano com a maior porcentagem de artigos científicos assinados por mulheres seja como autora principal ou como coautora, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Entre 2014 e 2017, o Brasil publicou cerca de 53,3 mil artigos, dos quais 72% são assinados por pesquisadoras mulheres. Atrás do Brasil, aparecem a Argentina, Guatemala e Portugal com participação de mulheres em 67%, 66% e 64% dos artigos publicados, respectivamente. No extremo oposto estão El Salvador, Nicarágua e Chile, com mulheres participando em menos de 48% dos artigos publicados por cada país.

De acordo com o Relatório Gender in the Globoal Research Landscape, da Elsevier, sobre a participação das mulheres na pesquisa científica no Brasil, com dados relativos a 2017, revela que a proporção de mulheres que publicam artigos científicos cresceu 11% no Brasil nos últimos 20 anos. As pesquisadoras publicam quase a mesma quantidade que os homens (49%) e a proporção de mulheres inventoras no País subiram de 11% para 17% entre 1996 e 2015. Por outro lado, as publicações de áreas como computação e matemática têm mais do que 75% de homens na autoria dos trabalhos.

Enquanto as brasileiras são maioria na área da saúde, correspondendo a 73 por cento dos pesquisadores em enfermagem, por exemplo, nas exatas a situação se inverte: elas somam apenas 29 por cento dos pesquisadores em engenharia. No mundo todo, as mulheres ainda compõem menos de 30 por cento dos pesquisadores em todas as áreas.

E quando se fala em estágios mais avançados da carreira acadêmica a situação é inversa. A representatividade feminina entre o total das bolsas de produtividade em pesquisa concedidas pelo CNPq era de apenas 35,5% em 2015. Subindo ao topo da carreira, os números caem ainda mais – apenas 25% dos pesquisadores da categoria sênior do CNPq são mulheres. Significa que no Brasil, apenas um em cada quatro pesquisadores seniores A1 é mulher – nível mais alto entre as categorias estabelecidas pelo CNPq. Ainda, o investimento concedido no grupo de produtividade em pesquisa é de até 100 milhões a mais aos homens, de acordo com a organização Gênero e Número.

 

O que está por trás dos dados?

Embora se reconheça os avanços, ainda há estereótipos de gênero associados a certas carreiras e a falta de referencias como condições que ainda mantém mulheres distantes de determinados cursos universitários. Mulheres são uma clara minoria nas ciências, matemática e computação. E precisam ser incentivadas a aderir a pesquisa de forma ampla e não restrita a determinadas áreas.

Nos últimos anos tem surgidos vários movimentos em defesa dessa participação sem constrangimentos. A exemplo do Festival Mulheres do Mundo (Women of the World - WOW) realizado em 2018 com o objetivo debater sobre o papel das mulheres na sociedade, celebrar suas conquistas, e criar um espaço de escuta e de acolhimento.

No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, em fevereiro de 2019, a SBPC lançou o prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, uma homenagem às cientistas e futuras cientistas brasileira de destaque que leva o nome da primeira mulher presidente da entidade.

As várias ações de setores da sociedade organizados, como também iniciativas em universidades que fortalecem meninas cientistas são uma resposta ao modelo cultural que faz acreditar que mulheres tem vocações específicas, quando, na verdade, todas podem e tem capacidade para qualquer atividade em qualquer campo da ciência.

A luta por igualdade de gênero não deve ser somente das mulheres – os homens também precisam se engajar. As contribuições que as mulheres podem trazer para a ciência, tecnologia e inovação, além da promoção de melhores condições de vida e justiça social genuína, são inúmeras. E podem ser maiores se puderem caminhar ao lado dos homens.

Os avanços somente serão notados quando houver maior conscientização de homens e mulheres sobre a importância da participação lado a lado na construção de uma sociedade mais justa.

A desconstrução de conceitos já fortemente estabelecidos na sociedade sobre qual é o papel de homens e mulheres passa pelo enfrentamento, discussão e fortalecimento pelo acolhimento. Significa não se deixar abater pelo cenário negativo que atrapalha o foco em torno de propósito de seguir em frente, cada vez mais.

Como sustentava o Nobel de Literatura português José Saramago, que em seus romances sempre glorificou as figuras femininas, as mulheres “são mais capazes de ser felizes” mesmo em meio às adversidades.

 

*É vice-presidente da Socicom.

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PONTO DE VISTA

Participação das mulheres na ciência, um desafio à igualdade

Por Nelia Del Bianco*

 

“As mulheres são maioria na universidade, na pós-graduação, já estão aumentando nas engenharias. Mas isso não é suficiente; o Brasil precisa de muito mais pessoas fazendo ciência, incluindo mulheres”. A afirmação é da presidente de honra da SBPC, Helena Nader durante seminário SBPC e as Mulheres e Meninas na Ciência, realizado em fevereiro.

Os dados mostram a predominância das mulheres na vida acadêmica.  De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016, última edição do levantamento, as mulheres representam 57,2% dos estudantes matriculados em cursos de graduação.

Entre os professores contratados, no entanto, o cenário muda, os homens são maioria. Dos 384.094 docentes da educação superior em exercício, 45,5% são mulheres.

Elas são também maioria entre bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), representam 60% do total de beneficiários na pós-graduação e nos programas de formação de professores.

O Brasil é o país ibero-americano com a maior porcentagem de artigos científicos assinados por mulheres seja como autora principal ou como coautora, de acordo com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI). Entre 2014 e 2017, o Brasil publicou cerca de 53,3 mil artigos, dos quais 72% são assinados por pesquisadoras mulheres. Atrás do Brasil, aparecem a Argentina, Guatemala e Portugal com participação de mulheres em 67%, 66% e 64% dos artigos publicados, respectivamente. No extremo oposto estão El Salvador, Nicarágua e Chile, com mulheres participando em menos de 48% dos artigos publicados por cada país.

De acordo com o Relatório Gender in the Globoal Research Landscape, da Elsevier, sobre a participação das mulheres na pesquisa científica no Brasil, com dados relativos a 2017, revela que a proporção de mulheres que publicam artigos científicos cresceu 11% no Brasil nos últimos 20 anos. As pesquisadoras publicam quase a mesma quantidade que os homens (49%) e a proporção de mulheres inventoras no País subiram de 11% para 17% entre 1996 e 2015. Por outro lado, as publicações de áreas como computação e matemática têm mais do que 75% de homens na autoria dos trabalhos.

Enquanto as brasileiras são maioria na área da saúde, correspondendo a 73 por cento dos pesquisadores em enfermagem, por exemplo, nas exatas a situação se inverte: elas somam apenas 29 por cento dos pesquisadores em engenharia. No mundo todo, as mulheres ainda compõem menos de 30 por cento dos pesquisadores em todas as áreas.

E quando se fala em estágios mais avançados da carreira acadêmica a situação é inversa. A representatividade feminina entre o total das bolsas de produtividade em pesquisa concedidas pelo CNPq era de apenas 35,5% em 2015. Subindo ao topo da carreira, os números caem ainda mais – apenas 25% dos pesquisadores da categoria sênior do CNPq são mulheres. Significa que no Brasil, apenas um em cada quatro pesquisadores seniores A1 é mulher – nível mais alto entre as categorias estabelecidas pelo CNPq. Ainda, o investimento concedido no grupo de produtividade em pesquisa é de até 100 milhões a mais aos homens, de acordo com a organização Gênero e Número.

 

O que está por trás dos dados?

Embora se reconheça os avanços, ainda há estereótipos de gênero associados a certas carreiras e a falta de referencias como condições que ainda mantém mulheres distantes de determinados cursos universitários. Mulheres são uma clara minoria nas ciências, matemática e computação. E precisam ser incentivadas a aderir a pesquisa de forma ampla e não restrita a determinadas áreas.

Nos últimos anos tem surgidos vários movimentos em defesa dessa participação sem constrangimentos. A exemplo do Festival Mulheres do Mundo (Women of the World - WOW) realizado em 2018 com o objetivo debater sobre o papel das mulheres na sociedade, celebrar suas conquistas, e criar um espaço de escuta e de acolhimento.

No Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, em fevereiro de 2019, a SBPC lançou o prêmio “Carolina Bori Ciência & Mulher”, uma homenagem às cientistas e futuras cientistas brasileira de destaque que leva o nome da primeira mulher presidente da entidade.

As várias ações de setores da sociedade organizados, como também iniciativas em universidades que fortalecem meninas cientistas são uma resposta ao modelo cultural que faz acreditar que mulheres tem vocações específicas, quando, na verdade, todas podem e tem capacidade para qualquer atividade em qualquer campo da ciência.

A luta por igualdade de gênero não deve ser somente das mulheres – os homens também precisam se engajar. As contribuições que as mulheres podem trazer para a ciência, tecnologia e inovação, além da promoção de melhores condições de vida e justiça social genuína, são inúmeras. E podem ser maiores se puderem caminhar ao lado dos homens.

Os avanços somente serão notados quando houver maior conscientização de homens e mulheres sobre a importância da participação lado a lado na construção de uma sociedade mais justa.

A desconstrução de conceitos já fortemente estabelecidos na sociedade sobre qual é o papel de homens e mulheres passa pelo enfrentamento, discussão e fortalecimento pelo acolhimento. Significa não se deixar abater pelo cenário negativo que atrapalha o foco em torno de propósito de seguir em frente, cada vez mais.

Como sustentava o Nobel de Literatura português José Saramago, que em seus romances sempre glorificou as figuras femininas, as mulheres “são mais capazes de ser felizes” mesmo em meio às adversidades.

 

*É vice-presidente da Socicom.